Diácono, fundador das Três Ordens, Patrono da Itália (1182-1226). Canonizado por Gregorio IX no dia 16 de julho de 1228.
“Nasceu para o mundo um sol”: com estas palavras, na “Divina Comédia”
(Paraíso, Canto XI), o máximo poeta italiano Dante Alighieri alude ao
nascimento de Francisco, no final de 1181 ou início de 1182, em Assis.
Pertencente a uma família rica – seu pai era comerciante de tecidos –,
Francisco transcorreu uma adolescência e uma juventude despreocupadas,
cultivando os ideais de cavalaria da época. Aos 20 anos, fez parte de
uma campanha militar e foi preso. Ficou doente e foi libertado. Após sua
volta a Assis, começou nele um lento processo de conversão espiritual,
que o levou a abandonar gradualmente o estilo de vida mundano que havia
levado até então.
A este período correspondem os célebres episódios do
encontro com o leproso, a quem Francisco, descendo do cavalo, deu o
beijo da paz, e da mensagem do Crucificado na pequena igreja de São
Damião. Em três ocasiões, o Cristo na cruz adquiriu vida e lhe disse:
“Vai, Francisco, e repara minha Igreja, que está em ruínas”. Este
simples acontecimento da palavra do Senhor ouvida na igreja de São
Damião esconde um simbolismo profundo. Imediatamente, São Francisco foi
chamado a reparar esta pequena igreja, mas o estado ruinoso deste
edifício era o símbolo da situação dramática e inquietante da própria
Igreja nessa época, com uma fé superficial que não forma e não
transforma a vida, com um clero pouco zeloso, com o esfriamento do amor;
uma destruição interior da Igreja que comportou também uma decomposição
da unidade, com o nascimento de movimentos hereges. Contudo, nessa
Igreja em ruínas, o Crucifixo está no centro e fala: convida à
renovação, chama Francisco a um trabalho manual para reparar
concretamente a pequena igreja de São Damião, símbolo do chamado mais
profundo a renovar a própria Igreja de Cristo, com sua radicalidade de
fé e com seu entusiasmo de amor por Cristo.
Este acontecimento, ocorrido provavelmente em 1205, faz pensar em
outro acontecimento similar, ocorrido em 1207: o sonho do Papa Inocêncio
III. Este viu em sonhos que a Basílica de São João de Latrão, a igreja
mãe de todas as igrejas, estava desmoronando e que um religioso pequeno e
insignificante a escorava com os ombros, para que não caísse. É
interessante notar, por um lado, que não é o Papa quem ajuda para que a
Igreja não caia, mas um religioso pequeno e insignificante, que o Papa
reconhece em Francisco quando este o visita. Inocêncio III era um papa
poderoso, de grande cultura teológica, como também de grande poder
político e, no entanto, não é ele quem renova a Igreja, e sim um pequeno
e insignificante religioso: é São Francisco, chamado por Deus. Por
outro lado, no entanto, é importante observar que São Francisco não
renova a Igreja sem ou contra o Papa, mas em comunhão com ele. As duas
realidades estão juntas: o Sucessor de Pedro, os bispos, a Igreja
fundada sobre a sucessão dos apóstolos e o carisma novo que o Espírito
Santo cria nesse momento para renovar a Igreja. Na comunhão se dá a
verdadeira renovação.
Voltemos à vida de São Francisco. Dado que seu pai, Bernardone,
reprovava sua grande generosidade com os pobres, Francisco, na frente do
bispo de Assis, com um gesto simbólico, despojou-se de todas as suas
roupas, pretendendo, assim, renunciar à herança paterna: como no momento
da criação, Francisco não tinha nada, a não ser a vida dada por Deus,
em cujas mãos se entregou. Depois, viveu como um eremita, até que, em
1208, houve outro acontecimento fundamental no itinerário da sua
conversão. Escutando uma passagem do Evangelho de Mateus – o discurso de
Jesus aos apóstolos enviados à missão –, Francisco se sentiu chamado a
viver na pobreza e a dedicar-se à pregação. Outros companheiros se
uniram a ele e, em 1209, ele se dirigiu a Roma, para submeter ao Papa
Inocêncio III o projeto de uma nova forma de vida cristã. Recebeu um
acolhimento paternal por parte daquele grande pontífice que, iluminado
pelo Senhor, intuiu a origem divina do movimento suscitado por
Francisco. O Pobrezinho de Assis havia compreendido que todo carisma
dado pelo Espírito Santo deve ser colocado ao serviço do Corpo de
Cristo, que é a Igreja; portanto, agiu sempre em comunhão plena com a
autoridade eclesiástica. Na vida dos santos não há contraposição entre
carisma profético e carisma de governo e, se houver alguma tensão, estes
sabem esperar com paciência os tempos do Espírito Santo.
Na realidade, alguns historiadores do século XIX e também do século
passado tentaram criar atrás do Francisco da tradição um “Francisco
histórico”, assim como se tenta criar atrás do Jesus dos evangelhos um
“Jesus histórico”. Este Francisco histórico não teria sido um homem de
Igreja, mas um homem unido imediatamente só a Cristo, um homem que
pretendia criar uma renovação do povo de Deus, sem formas canônicas e
sem hierarquia. A verdade é que São Francisco teve realmente uma relação
imediatíssima com Jesus e com a Palavra de Deus, à qual queria seguir sine glossa,
assim como ela é, em toda a sua radicalidade e verdade. É verdade
também que, inicialmente, ele não tinha a intenção de criar uma ordem
com as formas canônicas necessárias, mas simplesmente, com a Palavra de
Deus e com a presença do Senhor, queria renovar o povo de Deus,
convocá-lo novamente à escuta da Palavra e à obediência a Cristo. Além
disso, sabia que Cristo nunca é “meu”, e sim sempre “nosso”, que não
posso ter Cristo sozinho e construir “eu”, contra a Igreja, contra sua
vontade e seu ensinamento, mas somente na comunhão da Igreja constituída
sobre a sucessão dos apóstolos se renova também a obediência à Palavra
de Deus.
Também é verdade que ele não tinha a intenção de criar uma nova
ordem, mas somente renovar o povo de Deus para o Senhor que vem. Porém,
compreendeu, com sofrimento e com dor, que tudo deve ter sua ordem, que
também o direito da Igreja é necessário para dar forma à renovação e,
assim, realmente se inseriu de forma total, com o coração, na comunhão
da Igreja, com o Papa e com os bispos. Ele sempre soube que o centro da
Igreja é a Eucaristia, na qual o Corpo de Cristo e seu Sangue estão
presentes. Através do sacerdócio, a Eucaristia é a Igreja. Onde o
sacerdócio, Cristo e a comunhão da Igreja caminham juntos, somente aí
habita também a Palavra de Deus. O verdadeiro Francisco histórico é o
Francisco da Igreja e, precisamente dessa maneira, ele fala também a
nós, os crentes, e aos crentes de outras confissões e religiões.
Francisco e seus frades, cada vez mais numerosos, estabeleceram-se na
Porciúncula – ou igreja de Santa Maria dos Anjos –, lugar sagrado por
excelência da espiritualidade franciscana. Também Clara, uma jovem
mulher de Assis, de família nobre, entrou na escola de Francisco. Teve
origem, assim, a Segunda Ordem Franciscana, a das Clarissas, outra
experiência destinada a produzir frutos insignes de santidade na Igreja.
Também o sucessor de Inocêncio III, o Papa Honório III, com sua bula Cum dilecti,
de 1218, apoiou o singular desenvolvimento dos primeiros Frades
Menores, que iam abrindo suas missões em diversos países da Europa,
inclusive em Marrocos. Em 1219, Francisco obteve autorização para
dirigir-se ao Egito e falar com o sultão muçulmano Melek-el-Kâmel, para
pregar também lá o Evangelho de Jesus. Eu gostaria de sublinhar este
episódio da vida de São Francisco, que tem uma grande atualidade. Em uma
época em que estava em curso um enfrentamento entre o cristianismo e o
islã, Francisco, armado voluntariamente só com sua fé e sua mansidão
pessoais, percorreu com eficácia o caminho do diálogo. As crônicas nos
falam de um acolhimento benevolente e de uma cordial recepção do sultão.
Este é um modelo que deve inspirar, ainda hoje, as relações entre
cristãos e muçulmanos, para promover um diálogo na verdade, no respeito e
na compreensão mútuos (cf. Nostra Aetate, 3). Parece então que
Francisco esteve na Terra Santa em 1220, lançando assim uma semente, que
deu muitos frutos: seus filhos espirituais, de fato, fizeram dos
Lugares Santos onde Jesus viveu um âmbito privilegiado de sua missão.
Penso, com gratidão, nos grandes méritos da Custódia Franciscana da
Terra Santa.
Ao voltar à Itália, Francisco entregou o governo da Ordem ao seu
vigário, Frei Pedro Cattani, enquanto o Papa confiou à proteção do
cardeal Ugolino, o futuro Sumo Pontífice Gregório IX, a Ordem, que
reunia cada vez mais adesões. Por sua vez, o fundador, dedicado
completamente à pregação – que levava a cabo com grande êxito –, redigiu
uma Regra, depois aprovada pelo Papa.
Em 1224, no eremitério de Verna, Francisco viu o Crucifixo em forma
de um serafim e, do encontro com o serafim crucificado, recebeu os
estigmas; converteu-se, assim, em um com Cristo: um dom, portanto, que
exprime sua identificação com o Senhor.
A morte de Francisco – seu transitus – ocorreu na noite de 3 de
outubro de 1226, na Porciúncula. Após ter abençoado seus filhos
espirituais, morreu, deitado sobre a terra nua. Dois anos mais tarde, o
Papa Gregório IX o inscreveu no elenco dos santos. Pouco tempo depois,
erigiu-se em Assis uma grande basílica em sua honra, meta, ainda hoje,
de muitíssimos peregrinos, que podem venerar o túmulo do santo e
desfrutar da visão dos afrescos de Giotto, pintor que ilustrou de forma
magnífica a vida de Francisco.
Já foi dito que Francisco representa um alter Christus; era
verdadeiramente um ícone vivo de Cristo. Ele também foi chamado de
“irmão de Jesus”. De fato, este era o seu ideal: ser como Jesus,
contemplar o Cristo do Evangelho, amá-lo intensamente, imitar suas
virtudes. Em particular, ele quis dar um valor fundamental à pobreza
interior e exterior, ensinando-a também aos seus filhos espirituais. A
primeira bem-aventurança do Sermão da Montanha – “Felizes os pobres,
porque deles é o reino dos céus” (Mt 5, 3) – encontrou uma luminosa
realização na vida e nas palavras de São Francisco. Verdadeiramente,
queridos amigos, os santos são os melhores intérpretes da Bíblia; estes,
encarnando em sua vida a Palavra de Deus, tornam-na mais atraente que
nunca, de forma que ela fala realmente conosco. O testemunho de
Francisco, que amou a pobreza para seguir Cristo com dedicação e
liberdade totais, continua sendo, também para nós, um convite a cultivar
a pobreza interior para crescer na confiança em Deus, unindo também um
estilo de vida sóbrio e um desapego dos bens materiais.
Em Francisco, o amor a Cristo se expressou de maneira especial na
adoração ao Santíssimo Sacramento da Eucaristia. Nas Fontes
Franciscanas, lemos expressões comoventes, como esta: “Pasme o homem
todo, estremeça a terra inteira, rejubile o céu em altas vozes quando,
sobre o altar, estiver nas mãos do sacerdote o Cristo, Filho de Deus
vivo! Ó grandeza maravilhosa, ó admirável condescendência! Ó humildade
sublime, ó humilde sublimidade! O Senhor do universo, Deus e Filho de
Deus, se humilha a ponto de se esconder, para nosso bem, na modesta
aparência do pão” (Francisco de Assis, Escritos).
Neste Ano Sacerdotal, quero também recordar a recomendação dirigida
por Francisco aos sacerdotes: “Ao celebrar a Missa, ofereçam o
verdadeiro sacrifico do Santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus
Cristo, pessoalmente puros, com disposição sincera, com reverência e com
santa e pura intenção” (Francisco de Assis, Escritos). Francisco
mostrava sempre um grande respeito pelos sacerdotes e recomendava
respeitá-los sempre, inclusive no caso de que pessoalmente fossem pouco
dignos. A motivação do seu profundo respeito era o fato de que eles
receberam o dom de consagrar a Eucaristia. Queridos irmãos no
sacerdócio, não nos esqueçamos jamais deste ensinamento: a santidade da
Eucaristia nos pede que sejamos puros, que vivamos de maneira coerente
com o Mistério que celebramos.
Do amor a Cristo nasce o amor às pessoas e também a todas as
criaturas de Deus. Este é outro traço característico da espiritualidade
de Francisco: o senso de fraternidade universal e de amor pela criação,
que lhe inspirou o célebre “Cântico das criaturas”. É uma mensagem muito
atual. Como recordei em minha recente encíclica, Caritas in veritate,
só é sustentável um desenvolvimento que respeite a criação e que não
danifique o meio ambiente (cf. N. 48-52), e na Mensagem para o Dia
Mundial da Paz deste ano, sublinhei que também a constituição de uma paz
sólida está unida ao respeito pela criação. Francisco nos recorda que
na criação se manifesta a sabedoria e a benevolência do Criador. A
natureza é entendida por ele precisamente como uma linguagem com a qual
Deus fala conosco, através da qual a realidade divina se torna
transparente e podemos falar de Deus e com Deus.
Queridos amigos: Francisco foi um grande santo e um homem alegre. Sua
simplicidade, sua humildade, sua fé, seu amor a Cristo, sua bondade com
cada homem e cada mulher o tornaram alegre em toda situação. De fato,
entre a santidade e a alegria subsiste uma relação íntima e
indissolúvel. Um escritor francês disse que no mundo só existe uma
tristeza: a de não ser santos, isto é, a de não estar perto de Deus.
Vendo o testemunho de Francisco, compreendemos que este é o segredo da
verdadeira felicidade: ser santos, estar perto de Deus!
Que Nossa Senhora, ternamente amada por Francisco, obtenha esse dom
para nós. Confiamo-nos a Ela com as palavras do próprio Pobrezinho de
Assis: “Ó Maria, Virgem Santíssima, não há outra semelhante, nascida
neste mundo, entre as mulheres; filha e serva do Rei altíssimo, o Pai
celeste. Mãe de Jesus Cristo, nosso Senhor; esposa do Espírito Santo,
rogai por nós (…) junto ao vosso santíssimo e dileto Filho, nosso Senhor
e Mestre” (Francisco de Assis, Escritos).
Papa Bento XVI
Nenhum comentário:
Postar um comentário